Veja os riscos da Tadalafila, remédio para ereção que virou febre no pré-treino das academias
A tadalafila virou uma febre de consumo, especialmente pelos frequentadores de academias, no pré-treino. Levantamento feito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) revela que foram vendidas 21,4 milhões de caixas de tadalafila no País em 2020. Três anos depois, esse número havia subido para 47,2 milhões. No primeiro semestre de 2024 (o dado mais recente disponível), 31,1 milhões de caixas da medicação foram comercializadas.
Se essa tendência permanecer inalterada durante os últimos seis meses do ano passado, isso significa que as vendas de tadalafila praticamente triplicaram no Brasil em um período de quatro anos. Já um relatório da consultoria Close-Up International aponta que a tadalafila ficou em terceiro lugar entre as moléculas mais vendidas no ano de 2024, atrás apenas de losartana e metformina. No total, ela gerou uma receita que supera R$ 1,2 bilhão no ano passado — e apresentou o maior crescimento nas vendas de um ano para outro entre os 20 primeiros colocados neste ranking.
Por trás da crescente popularidade, é possível encontrar dois motivos principais: as alegações falsas de que esse fármaco ajuda a ganhar músculos entre quem faz academia e a busca por um desempenho sexual infalível.
Os especialistas não sabem de onde surgiu essa ideia. A teoria por trás desse uso no pré-treino envolve um relaxamento do endotélio, a camada que reveste a parede interna das artérias. Segundo essa linha de raciocínio, isso permitiria a chegada de mais sangue aos músculos — o que supostamente levaria ao crescimento deles. "Mas não há base nenhuma para essas alegações. Não existe comprovação científica sobre esse uso", critica o médico Luiz Otávio Torres, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia. "Os poucos estudos que avaliam a tadalafila para ganho de massa muscular foram feitos com 40 ou 50 voluntários, o que é muito pouco", complementa ele.
De fato, as principais sociedades médicas nacionais e internacionais não recomendam o uso da tadalafila como um pré-treino, prática que ganhou popularidade nos últimos anos. "E não é necessário tomar remédio para ganhar músculos. Os próprios exercícios já produzem esse efeito", reforça a farmacêutica Amouni Mourad, assessora técnica do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo.
Mas não é só o uso incorreto como pré-treino que explica a popularidade da tadalafila. A busca por melhor desempenho sexual têm acelerado a procura pelo medicamento, que tem ação mais duradoura que o popular viagra. A dificuldade para ter ou manter uma ereção por conta de problemas fisiológicos era uma realidade praticamente intransponível para homens que sofriam de impotência sexual até meados dos anos 1990. Mas esse cenário mudou completamente a partir de 1998, quando surgiu a sildenafila — o popular Viagra — o primeiro fármaco de uma classe que prometia a volta das ereções.
Pouco tempo depois, já no início dos anos 2000, surgiu a tadalafila. À época, ela era vendida sob o nome comercial Cialis, mas hoje em dia é possível encontrar diversas opções de genéricos com esse princípio ativo. Existem algumas diferenças entre esses fármacos. Enquanto a sildenafila deve ser tomada algumas horas antes de uma relação sexual prevista, a tadalafila permite um uso contínuo, todos os dias. A segunda medicação também possui uma ação mais prolongada, de cerca de 36 horas (ante 4 horas do Viagra). O viagra é obtido em doses de 25, 50 e 100 mg. A tadalafila em doses de 5 e 20 mg.
Torres explica que, em linhas gerais, esses medicamentos atrapalham a ação de uma enzima chamada fosfodiesterase tipo 5, ou PDE5. "A PDE5 inibe a ereção. Portanto, quando essa enzima é inibida pela tadalafila, isso permite que o pênis volte a ficar ereto", detalha ele. Vale explicar aqui que o órgão sexual masculino é formado por corpos cavernosos. E essas câmaras precisam ser preenchidas por sangue para que ocorra a ereção. E, para que esse processo aconteça, é necessário um relaxamento dos músculos que envolvem os vasos sanguíneos. "Isso permite que mais sangue chegue à região", explica. E é justamente esse aporte extra de líquido vermelho que deixa o membro duro e pronto para a relação sexual.
Remédios como a tadalafila, portanto, agem nesse sistema. Eles inibem uma molécula que "atrapalha" a ereção e garantem o relaxamento de músculos e vasos, para que o sangue preencha os corpos cavernosos. "Mas os comprimidos são apenas facilitadores desse processo. É preciso existir desejo e estímulo para que a ereção realmente aconteça", pontua Torres.
Na bula, há apenas três condições para a prescrição médica desse remédio. A primeira e mais óbvia delas é a impotência sexual. "A disfunção erétil tem causas orgânicas e psicogênicas. Se chega no meu consultório um jovem que tem falhas ocasionais, ele provavelmente não está com uma questão específica no organismo. O problema então está na cabeça e ele pode se beneficiar de uma psicoterapia", aponta Torres. "Agora, quando se trata de um homem de certa idade, com outros fatores de risco e doenças crônicas, a disfunção provavelmente possui causas orgânicas. Nesses casos, os remédios podem ajudar", diferencia ele.
A segunda indicação da tadalafila envolve um quadro chamado hiperplasia prostática benigna, marcada por um inchaço da próstata, que estrangula a uretra e dificulta a passagem da urina. O remédio é prescrito aqui porque traz algum alívio na saída da urina. O terceiro uso dessa medicação envolve pacientes com hipertensão pulmonar — o aumento da pressão arterial no principal órgão do sistema respiratório. Mas esse tratamento envolve doses muito mais elevadas do que nas duas situações citadas anteriormente.
"As pessoas perdem a noção de que esse remédio não é recreativo, para se divertir", lamenta Mourad, que também é coordenadora do curso de Farmácia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. "Qualquer medicamento só deve ser usado na pessoa certa, no tempo certo e da forma certa." "Não adianta eu achar que posso tomar um comprimido só porque fez bem para meu vizinho ou meu irmão. Cada organismo é diferente", complementa ela. Mas, afinal, quais são os perigos de tomar estes comprimidos sem a indicação de um profissional de saúde?
Torres esclarece que a tadalafila é uma medicação relativamente segura, desde que usada da forma correta. "A principal contraindicação é para quem toma outros remédios que contêm nitratos, porque a ação conjunta dessas duas moléculas pode baixar muito a pressão arterial", diz ele.
Entre os fármacos que trazem nitratos na composição, os mais comuns são o propatilnitrato, a isossorbida, a nitroglicerina e o dinitrato de isossorbida. "A tadalafila também pode causar dor de cabeça, dor muscular ou entupimento de nariz, mas é uma coisa para o paciente avaliar o custo-benefício", complementa o urologista. Ou seja, se esses incômodos forem fortes demais, basta interromper o tratamento.
Agora, caso os ganhos com a ereção pareçam mais vantajosos e o indivíduo consiga lidar bem com os efeitos colaterais, não há problemas em seguir adiante com a terapia indicada pelo profissional da saúde. Na bula, os fabricantes informam que as reações comuns, que ocorrem em 1 a 10% das pessoas que usam tadalafila, incluem dor nas costas, dor de cabeça, indigestão, vermelhidão no rosto, dor muscular, dor nas extremidades, refluxo gastroesofágico e nariz entupido.
Já entre as reações incomuns (que acometem entre 0,1 e 1% dos usuários), os laboratórios listam a dispneia, também conhecida como falta de ar. Há ainda os eventos muito raros, que acontecem com menos de 0,01% dos consumidores.
A lista é bem grande e abarca questões como erupções cutâneas, coceira, inchaço no rosto, pressão baixa, visão borrada, priapismo (ereção dolorosa que dura mais de quatro horas) e até eventos cardiovasculares graves (como infarto e AVC).
Sobre os eventos cardiovasculares graves, os fabricantes destacam que "a maioria dos pacientes que relataram esses eventos tinha fatores de risco preexistentes", portanto "não se pode determinar definitivamente se esses eventos são relacionados diretamente a esses fatores de risco, à tadalafila, à atividade sexual ou à combinação destes e de outros fatores".